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  • Colinas como elefantes brancos, 1927

    Ernest Hemingway

    Estados Unidos

    Por que a escolha?

    Poderíamos falar de ironia se não fosse, no fundo, uma tremenda injustiça. Mais um sinal de uma chocante dominação masculina que caracteriza o cânone literário e que levou até mesmo a que os escritores da época anterior à guerra fossem elogiados por apontarem problemas que as mulheres teriam resolvido melhor se tivessem tido a possibilidade. Porque existem experiências de gênero que são intransferíveis, e entre elas a do aborto talvez seja a mais inescrutável para um homem. Mesmo assim, parece necessário dar medalhinhas aos homens que ousaram abordar questões como esta – e outras semelhantes – em uma época em que falar sobre direitos reprodutivos era considerado, na melhor das hipóteses, uma indelicadeza.

    Não é circunstancial, então, que as primeiras narrativas – em termos de cânone – sobre a interrupção da gravidez tenham vindo de escritores consagrados no início do século 20. Primeiro o sueco Hjalmar Söderberg e seu romance Doutor Glas e depois, mais notoriamente, o americano Ernest Hemingway (1899-1961) e seu conto Colinas como elefantes brancos, elogiado pela habilidade técnica com que aborda o tema, sem nunca mencionar as palavras “aborto” ou “gravidez”.

    Pareceria irônico, então, se não fosse evidência de uma desigualdade estrutural, que seja justamente Hemingway - o arquétipo do escritor masculino, viril, misógino e boêmio - que receba tal mérito: reivindicar uma experiência especificamente feminina como um tema "válido" para a literatura de seu tempo. Porém, a própria história, independentemente de formalmente engenhosa, revela também a incapacidade do autor de penetrar no assunto: a breve história de um casal que espera um trem com destino a Madri (onde a mulher fará uma "operação" imprecisa da qual se fala com timidez) só consegue descrever o comportamento dela como algo misterioso, tenso e resignadamente triste aos olhos do companheiro, um homem egoísta, indiferente à dor daquela a quem diz amar.

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