Por que a escolha?

Na tradição das histórias de empregadas domésticas –domésticas, funcionárias, empregadas, em suma, qualquer termo denuncia violência– da literatura latino-americana, onde quase todas as protagonistas sofrem de resignação endêmica, a chilena Alia Trabucco Zerán (1983) surge com uma voz radicalmente insatisfeita, fortemente lúcida, que ecoa a explosão social em que se enquadra o testemunho de Estela, a mulher que guia a narrativa de Limpa.

Quando Estela sai do sul do Chile e vai para Santiago em busca de um emprego, ela acha que um dia vai voltar. Mas a mãe, de quem herdou a agudeza de espírito, a avisa de que isso não vai acontecer: “Não se pode ir embora, não se pode dizer chega, não se pode dizer não, estou cansada, senhora, minhas costas estão doendo, vou embora”. Estela entende tarde, depois de sete anos cuidando de uma menina nervosa, que a armadilha é menos sofisticada do que ela imaginava e que não havia mistério nas palavras da mãe: o serviço doméstico é uma das formas atuais de escravidão –empregadas domésticas como ela e a mãe, que moram na mesma casa onde trabalham e criam filhos de outros, arrancam a própria vida, seus vínculos, seus planos, pela raíz–. A armadilha se baseia em uma precariedade disfarçada de falsa intimidade, no absurdo de que a empregada pode “se sentir parte” da família que serve, de que pode amar essa família e ser amada por ela. Nessa enteléquia se esconde um classismo, um machismo e um racismo, todos eles históricos, que se materializam em discriminações veladas.

Pouco a pouco, Estela começa a perceber a duplicidade de sua situação, assim como a hipocrisia de seus patrões, também eles marcados pelo infortúnio. Em seu corpo, em suas mãos, ela nota as marcas das violências contidas e injustificadas. E é precisamente essa clareza que a leva a se erguer contra a ordem das coisas, a sabotar a própria vida para conseguir, finalmente, ir embora.