Por que a escolha?

Em 2012, quando a transexualidade ainda era considerada um “distúrbio mental e comportamental” pela Organização Mundial da Saúde, Xavier Dolan apresentou seu ousado Laurence Anyways. Ambientado em Montreal entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 1990, o filme narra o processo de transição de gênero de Laurence, um professor e escritor que, socializado como homem, consegue, no decorrer de dez anos, encarnar a mulher que ele deseja ser. O filme conta as vicissitudes de sua transformação, tendo como eixo a relação amorosa que mantém com Fred. Laurence é despedido do trabalho, espancado e submetido à pior humilhação transfóbica tanto por conhecidos quanto por estranhos. Seu vínculo com Fred se vê inevitavelmente afetado pelo terremoto desencadeado pela sua busca, mas, principalmente, pelo clima social adverso que enfrentam.

Laurence Anyways é um filme extenso e transbordante a nível temático e estético, com cores vivas, musicalização poderosa e uma narrativa com tons surrealistas. Essa profusão de recursos se conecta com as emoções mais temerárias e prazerosas que o ser humano é capaz de sentir quando embarca na exploração de sua própria subjetividade. Dolan expõe o quanto a identidade de gênero é muito mais do que uma questão individual. Ela depende da aceitação e do reconhecimento dos outros e é condicionada pela rejeição e pelo ostracismo aos quais é condenada pela indiferença e pela discriminação. O filme atualiza as perguntas e discussões sobre a desumanização do outro e o ódio à diferença, ao mesmo tempo em que nos interroga sobre a nossa própria singularidade.