Lost Highway, 1997
David Lynch
Estados Unidos

Por que a escolha?
No film noir clássico, a femme fatale representa uma mulher poderosa cuja sexualidade desafiadora ameaça a autoridade patriarcal. Porém, como aponta a teoria feminista, na maioria das vezes, no fim essa mulher é punida, como uma forma de restaurar o statu quo. Na década de 1970, com o novo cinema americano e a crítica cultural, foi feita uma tentativa de revisar os fundamentos ideológicos do gênero. Como resultado, o noir ressurgiu, às vezes substituindo a estilização expressionista por um realismo sujo e, em outros casos, subvertendo o papel da femme fatale permitindo que ela triunfasse apesar de sua crueldade e amoralidade.
No caso de A Estrada Perdida, David Lynch (1946) adota uma abordagem diferente. Ele decide manter os elementos fantásticos do gênero. Mantém até o arquétipo da femme fatale, mas a ênfase está no desejo masculino de possuí-la e na satisfação impossível, pois a posse só pode ocorrer, paradoxalmente, acabando com a mulher desejada. Em outras palavras, Lynch não está preocupado com a restauração do status quo, e sim com a queda.
Dessa forma, Lynch confronta as fantasias patriarcais diretamente. O personagem principal, Fred, é um saxofonista inseguro que não consegue satisfazer sexualmente sua esposa Alice. Após um episódio de ciúmes, ele a mata. A partir daí, o filme dá uma guinada alucinante em que Fred se vê encarnado em outra pessoa e cria uma nova história na qual recupera seu poder sexual. Entretanto, essa fantasia está fadada ao fracasso, pois Alice sempre consegue reafirmar sua autonomia irredutível. O mais perturbador do filme é sua estrutura de tira de Möbius, na qual o fim gera o começo e vice-versa, enfatizando a natureza complexa da relação entre desejo masculino e violência, sugerindo que essa conexão faz com que os acontecimentos se repitam em um ciclo perpétuo.
Ficha técnica