Por que a escolha?

Vaidosa, frívola, ofensiva, competitiva, egoísta, assim é a descrição de Rosine Kampf, a mãe de O Baile, e também a descrição de várias mulheres nas obras de Irène Némirovsky (1903-1942). Não poderia ser diferente, em um registro de seu diário pessoal de 1934, Némirovsky escreveu: “Encontro claramente a imagem da minha mãe. É impressionante como até hoje eu não consigo escrever esse nome sem ódio.” Com essa frase, que demonstra o caráter duradouro da ficção autobiográfica, O Baile e vários de seus romances aparecem como relatos ficcionais de sua própria vida, especialmente do vínculo difícil e doloroso com a mãe.

O Baile conta um episódio da vida de uma família judia que enriqueceu rapidamente no qual procuram por todos os meios obter o evasivo reconhecimento da alta sociedade francesa do momento. Nessa busca, o casal decide fazer um grande baile, no qual pretendem seduzir com sua riqueza aqueles que lhes negavam o tão almejado status social. Antoinette, a filha de 14 anos do casal, quer ir ao baile, mas a mãe, que vê na filha uma ameaça ao seu esplendor e percebe no desabrochar da adolescente o início do seu próprio declínio, não permite que ela vá. Essa mesquinhez levará à memorável vingança, que é o ponto central de O Baile.

Em um prodígio de síntese, em pouquíssimas páginas, O Baile não só dá conta do arrivismo social, da ansiedade aspiracional desse grupo social no período entreguerras, como também, e principalmente, retrata a complexidade feminina e altera o relato da relação entre mãe e filha. Com uma profundidade psicológica assombrosa, descreve a infâmia e, depois, o momento em que as contas são cobradas e a ordem é restabelecida. No fim, em uma espécie de síntese integradora e reveladora do sentido da vida humana, une de novo, e com um único gesto, essas duas vidas: a que vê a luz e a que "mergulhará nas sombras".