Por que a escolha?

Assim como sua autora, a heroína de L’Orco, uma das muitas histórias magistrais da francesa George Sand (1804-1876), usa uma máscara para se rebelar contra as desigualdades de um ambiente dominado pela vaidade e pela vontade dos homens, em nome da liberdade e da beleza, tão caras aos artistas do período romântico. No caso da escritora, cujo nome verdadeiro era Amandine Aurore Lucile Dupin, sua máscara era um pseudônimo masculino e uma androginia desafiadora: com isso, além de um grande talento, ela conquistou um lugar no mundo artístico parisiense e enfrentou os mais famosos escritores franceses do século 19, incluindo o mais misógino: Charles Baudelaire, que a detestava. Superou a maioria em popularidade e vendas como romancista, tendo inclusive a admiração de alguns deles, como Victor Hugo e Gustave Flaubert, com quem manteve uma longa e famosa correspondência.

A protagonista anônima de L’Orco, por sua vez, se esconde atrás de uma máscara e só sai à noite pelas ruas e canais de Veneza para realizar seus atos subversivos, que consistem em seduzir rapazes austríacos e fazê-los desaparecer como forma de protesto contra a ocupação imperial de “A Sereníssima”. Os jovens se apaixonam pela mulher mascarada e entram em sua gôndola para serem oferecidos ao fantasma do Bucentauro, outrora a portentosa embarcação do Doge. Mas a perdição dessa mulher ocorre justamente quando ela se apaixona por um nobre do Império, repetindo assim a queda da própria cidade que ela tenta libertar.

Por meio dessa metonímia, Sand cria uma poderosa alegoria da cruel subjugação da beleza pela força: a mulher mascarada veneziana é, ao mesmo tempo, uma mulher que se opõe ao domínio masculino e uma cidade que resiste a ser ocupada, tendo o mistério como única defesa. Por isso, ela increpa assim suas vítimas: “Você é um daqueles que violam a beleza livre com seu amor brutal, ou você é um daqueles que se ajoelham diante da beleza cativa e choram com suas lágrimas?”