Por que a escolha?

A obra mais representativa do realismo mágico na literatura equatoriana é, sem dúvida, a de Alicia Yánez Cossío (1928). Entretanto, talvez por ter sido escrita longe dos epicentros do boom latino-americano e porque à época a qualidade de seus livros sempre foi medida em referência a outros autores –antes de ganhar o seu primeiro prêmio por um romance, Yánez era professora e dona de casa, uma desconhecida que escrevia para si, razão pela qual alguns críticos desconfiados duvidaram da suficiência de sua pena–, seu nome não conseguiu ultrapassar as fronteiras do país, perpetuando o caráter mais ou menos secreto de uma obra narrativa que, sem dúvida, é precursora de uma visão especificamente feminina da realidade latino-americana no terceiro quarto do século 20.

A visão prospectiva de Yánez encontra um exemplo notável em seu romance La Casa del Sano Placer, que retoma o lugar-comum do bordel de aldeia, despoja-o do romantismo com o qual muitos autores pintam seu espírito boêmio e o transforma em um espaço onde se colocam questões cruciais e dilemas complexos sobre a liberdade individual, a dignidade da mulher, o casamento, a monogamia, a divisão heteronormativa dos gêneros e o tabu do sexo nas sociedades rurais católicas e conservadoras dos Andes.

Misturando a voz onisciente com uma polifonia de mexericos de cidade pequena, o romance narra o fracasso de uma experiência realizada por dona Rita Benavides, filha rebelde da família mais poderosa da cidade, uma espécie de Bovary andina que, apesar da intenção de dignificar o trabalho sexual criando uma "escola para hetairas", não consegue se livrar dos preconceitos próprios de sua classe, tão proclive ao racismo e à aporofobia, razão pela qual seu projeto intelectual chega ao fim devido à sua impossibilidade de sentir amor e compaixão verdadeiros pelas mulheres que pretende empoderar.