Por que a escolha?

Quando o corpo é o último bastião para resistir à violência, essa resistência ameaça se transformar em violência contra o corpo. Se a existência humana pressupõe a sobrevivência do mais forte e, assim, o domínio sobre outros seres (humanos, animais, vegetais), renunciar à violência implica, em maior ou menor grau, atentar contra a própria sobrevivência. Se às pessoas historicamente espoliadas, subjugadas e despossuídas só é permitido ter um corpo inerme e cheio de carências, talvez a renúncia, a inação, o esvaziamento de todo desejo sejam as últimas alternativas à liberdade. Esses são alguns dos paradoxos colocados pela sul-coreana Han Kang (1970) em A Vegetariana, romance publicado em 2007 e descoberto pelo grande público ocidental em 2016.

Yeonghye, a vegetariana – parente de Bartleby, de Melville – é descrita pelo próprio marido como uma mulher sem graça, sem nenhum atrativo especial. Solícita e quieta, a única característica de sua personalidade parecia ser o rótulo de “esposa”, que ela usou obedientemente até o dia em que decidiu parar de comer carne. Com isso ela procurava repelir as imagens de crueldade que apareciam em seus sonhos e que, de alguma forma, refletiam a violência que ela mesma sofria em carne própria nas mãos de um pai maltratador, de um marido narcisista e de uma sociedade opressora.

Os três capítulos que descrevem a progressiva piora nervosa de Yeonghye – que só fala para reconstruir seus pesadelos, para se recusar a comer e para afirmar que virou uma árvore – são narrados do ponto de vista do marido, do cunhado e da irmã, respectivamente. Na verdade, só no fim é que aquela greve de fome faz sentido, porque naquela autodestruição sua irmã, que sofre a mesma dor, percebe o reflexo da sua própria desgraça: uma vida inane e um destino opaco, mais ou menos obrigatórios para as mulheres de um país preso a valores ultrapassados.