Por que a escolha?

A obra monumental e por vezes abstrusa do escritor austríaco Robert Musil (1880-1942) tem, sem dúvida, seu fio condutor em uma preocupação fixa com a deterioração ética e estética da modernidade europeia, bem como com os perigos da racionalização do poder em uma burocracia estatal como a do império austro-húngaro, a mesma que encurralava os personagens de Kafka, seu contemporâneo. Nascido na alta burguesia, educado em uma escola militar e formado em engenharia, psicologia e filosofia, Musil fez desse ambiente asfixiante o cenário central de suas ficções: uma paisagem em que a autenticidade individual e o prazer poético são permanentemente ameaçados por um poder onipresente e impessoal.

Essas preocupações podem ser rastreadas até mesmo em O jovem Törless, seu primeiro romance, que segue a tradição das histórias de formação, e cujo protagonista, assim como Musil, atravessa uma etapa crucial de seu crescimento em um instituto militar para meninos localizado na atual República Tcheca. Ali Törless, um adolescente introspectivo, vive dias turbulentos em que seu despertar sexual se cruza com a abertura de sua consciência para as confusas relações entre razão e sensualidade, entre conhecimento e experiência empírica.

Rompendo um certo homoerotismo de inspiração grega, segundo o qual o sexo entre os homens jovens constitui um caminho para o conhecimento da beleza, Musil descreve como, naquela escola, esses encontros são possíveis devido à humilhação sistemática de Basini, um jovem que se torna devedor dos valentões da classe e acaba submetido a todo tipo de humilhação, às quais o próprio Törless cede, movido por um desejo cego, um misto de excitação e remorso. O ambiente social opressivo da escola, que reproduz internamente as hierarquias e as lutas do poder masculino, despoja esses relacionamentos de qualquer conotação amorosa e os transforma em instrumentos de dominação.