
Rostos na multidão, 2011
Valeria Luiselli
México
Por que a escolha?
Em uma casa na Cidade do México, uma mulher tenta roubar uma parte do tempo em que cuida dos filhos para dar forma a um romance. Ela não consegue se aventurar em uma longa história porque se sente sufocada em casa, sem ar; só consegue escrever em rajadas, de forma fragmentada. Ela escreve sobre sua juventude em Nova York, quando trabalhava como editora e mantinha um equilíbrio precário em seus relacionamentos amorosos com personagens excêntricos — provavelmente inventados ou exagerados em suas características. Ela também fala sobre sua vida atual: sobre o quanto a maternidade é absorvente para ela e sobre o relacionamento deteriorado com o marido, que aparentemente lê o que ela escreve e que reclama dos relacionamentos passados dela e do que encontra escrito sobre ele — histórias que não dão uma boa imagem dele e que podem muito bem ser falsas. Ela escreve, principalmente, sobre o poeta mexicano Gilberto Owen, que também morou em Nova York durante a juventude, na década de 1920, e cujo fantasma apareceu para a narradora no metrô como se estivesse anunciando o fim da vida dele naquela cidade.
Assim como sua protagonista, a mexicana Valeria Luiselli (1983) cria um romance com o mecanismo inverso de As Mil e Uma Noites: enquanto Scherazade inventa histórias para adiar sua morte, a narradora de Rostos na multidão inventa sua própria vida como uma série de incontáveis decessos. Sua história corrói deliberadamente o tecido de sua experiência, como ela mesma escreve: “A fibra da ficção começa a modificar a realidade e não vice-versa, como deveria ser.”
A história se entrelaça com outra que vai ganhando espaço: a do próprio Gilberto Owen, ou melhor, a do fantasma de Owen inventado pela narradora, que, como ela, falseia seus dias em Nova York — relatando encontros impossíveis com Lorca, com Zukofsky, com Pound — e enxerga sua vida como uma sucessão de pequenas mortes. Ambos coexistem no espaço sem gravidade da escrita, e nesse reflexo mútuo reverbera a ideia de que todos os vínculos perecem.
Ficha técnica