Por que a escolha?

Além do conhecido ostracismo a que foi submetida durante seu casamento com Octavio Paz, que não permitia que ninguém o ofuscasse, e de seu cada vez menor, mas ainda generalizado, não reconhecimento como pioneira do realismo mágico, a mexicana Elena Garro (1916-1998) também é relativamente esquecida como uma das primeiras narradoras latino-americanas a abordar a violência política – e o patriarcalismo que a permeia – sob uma perspectiva especificamente feminina. Seu romance As lembranças do porvir retrata com poesia e crueza a agitação do México rural durante a Guerra Cristero da década de 1920, quando a promessa de mudança da revolução maderista foi rapidamente cooptada pela inércia inveterada dos saques, da usurpação e da acumulação de terras pelas elites, em conluio com os poderes políticos e militares da época.

Em um lugar fora do tempo, vagando por uma memória tumultuada e circular, a desconsolada cidade de Ixtepec – personificada como narradora do romance, testemunha excepcional de tudo o que acontece em suas ruas e casas – tenta reconstruir os acontecimentos que levaram a que permanecesse parada e esquecida para sempre. Desde a chegada do general Francisco Rosas, pacificador da nova ordem que se estabeleceu após a revolução traída, Ixtepec mergulhou em uma letargia que só era quebrada pela “miragem ineficaz da violência, e a crueldade era exercida com fúria sobre as mulheres, os cães vadios e os índios”.

O horror da tirania desse patriarca, dono da vida e da morte em Ixtepec, é narrado por meio da experiência de seus habitantes, que o temem e admiram, mas também conspiram contra ele. Garro se preocupa especialmente com as mulheres: mães e filhas de famílias crioulas, velhas cristeras, curandeiras, prostitutas e “queridinhas” dos militares. Assim ela completa o quebra-cabeça do poder, que geralmente aparece mutilado em narrações onde só há homens intrigando entre eles.