Por que a escolha?

Se tivéssemos que apontar o pior mal, o pior sofrimento causado pela estrutura patriarcal que governa e sustenta todas as vidas humanas, sem dúvida sobressairia o antagonismo instigado entre as mulheres. Não só pelo rancor e pela perfídia que expressa, mas pela dor irremediável que daí resulta. Uma aflição da qual é difícil se recuperar. É por isso que é tão difícil recuperar-se da leitura de O Estranho Desaparecimento de Esme Lennox, de Maggie O' Farrell (1972).

Neste romance inquietante, Maggie O'Farrell mergulha na era vitoriana e em sua disciplina severa dissimulada em regras de etiqueta e solenidade, e descreve muitos dos danos causados ​​na vida das mulheres pela complexa estrutura cultural patriarcal. Com especial habilidade, O'Farrell interpreta a cruel confabulação entre a família e a psiquiatria, aquela que permitia que os pais trancafiassem para o resto da vida as filhas que tivessem a ousadia de fazer longos passeios, rir muito alto, estudar mais do que o necessário ou, principalmente, rejeitar alguma proposta de casamento. Também era essa confabulação que permitia que o marido trancasse em casa uma esposa excessivamente reticente ou –com mais razão e frequência– uma esposa excessivamente complacente.

Mas o cerne deste drama e os danos indescritíveis que este romance descortina não são as razões pelas quais a adorável Esme viveu sessenta dos seus setenta e seis anos trancada em uma instituição para doentes mentais. Razões miseráveis ​​e insignificantes. O cerne deste drama é a descrição do sistema de opressão e domesticação ao qual as mulheres deste romance foram submetidas, contra elas e entre elas. É sobre esse mal, o pior de todos os males possíveis, que este romance fala. Pois o que poderia ser pior do que ver uma mulher que, tendo seguido todas as regras que estava destinada a seguir, acaba construindo sua vida sobre as ruínas da vida de sua própria irmã?