
Niketche: Uma História de Poligamia, 2002
Paulina Chiziane
Moçambique
Por que a escolha?
Pode-se dizer que na figura de Paulina Chiziane (1955) se encontram muitas das contradições da literatura africana: ela foi a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, participou da guerrilha que derrubou a ditadura portuguesa e foi a primeira pessoa negra a receber o Prêmio Camões, a mais alta distinção das letras lusófonas, que, paradoxalmente, leva o nome de um poeta e militar de D. João III que lutou pela Coroa na África. Lutadora pela descolonização da língua e da memória dos povos que se recusaram a perecer, no seu país ela tem sido, porém, injustamente associada aos grupos mais reacionários – talvez pelo fato de escrever em uma língua e em um gênero próprios da colonização europeia –, a tal ponto que chegou a dizer que não publicaria mais.
Essas tensões também permeiam sua escrita, particularmente seu romance Niketche: Uma História de Poligamia, radiografia satírica da educação sexual e sentimental das mulheres moçambicanas tanto das cidades catolicizadas do sul como das regiões do norte, onde a poligamia é praticada. O romance conta a história de Rami, uma mulher criada no ideal do casamento cristão que, desiludida, convoca as amantes do marido para formarem um lar polígamo, denunciando assim a hipocrisia da monogamia ocidental e a desigualdade da poligamia tradicional, ambas enraizadas em um patriarcalismo inveterado. Na amarga experiência de Rami, as duas instituições tratam as mulheres pouco mais do que como parideiras de bebês e empregadas dos maridos, despojando-as de autonomia e condenando-as a uma vida inane, aprisionadas na armadilha da dependência econômica.
A assembleia poligâmica organizada por Rami, movida ao mesmo tempo pelo ciúme e pela solidariedade – já que partilha os mesmos ultrajes com suas “rivais” – resulta em um gesto impensável de libertação pós-colonial, que reage com dignidade à injustiça, venha ela de onde vier.
Ficha técnica