Por que a escolha?

Para as gerações nascidas em Cuba entre 1959 (ano do triunfo da insurreição guerrilheira na ilha) e 1989 (quando terminou o domínio do bloco soviético após a queda do Muro de Berlim) não existem mães nem pais próprios: os pais entregaram os filhos a um projeto coletivo e nacional destinado a formar “crianças pioneiras”. A mãe dessas crianças é a Revolução e o pai é Fidel Castro, líder e patriarca da experiência cubana. Filhos de guerrilheiros, hippies e militantes convictos, essas crianças, que não participaram da gesta revolucionária, cresceram juntas em internatos e acampamentos e, ao mesmo tempo, foram criadas mais ou menos sozinhas, sem grandes referências adultas em suas vidas. Enquanto isso, seus pais, que elas aprenderam a ver como camaradas, se dedicavam a apoiar o projeto socialista. Este é o panorama apresentado pela cubana Wendy Guerra (1970) em seu romance Nunca fui primeira-dama, uma história autoficcional que entrelaça a vida de três mulheres rebeldes a partir da voz de Nadia, a mais jovem das três e reflexo fiel da autora, com quem divide o mesmo sobrenome e alguns dados biográficos.

Artista e locutora da rádio estatal, Nadia reivindica para si o direito a uma voz própria, em uma sociedade onde até as experiências mais íntimas são vividas como eventos coletivos. Ela acredita que para encontrar sua voz primeiro precisa encontrar a mãe, que deixou a ilha quando ela era pequena. Nadia intui que na memória dessa mulher estão os pedaços perdidos da sua própria identidade.

Nessa busca, ela encontra várias vezes a figura de Celia Sánchez, ex-benfeitora de sua mãe e principal figura feminina da Revolução, ofuscada pelo panteão de homens barbudos associados a essa epopeia. As tensões entre o privado e o público que entrelaçam as histórias destas três mulheres mostram a desigualdade de gênero que está subjacente no projeto cubano e, em geral, nas experiências socialistas do século 20.