Por que a escolha?

Por mais que tentemos humanizá-los, e por mais que eles sejam capazes de suportar sofrimentos indescritíveis, a verdade é que os animais não-humanos são indiferentes aos nossos sentimentos, emoções e motivações. Por isso a espessura do olhar deles é insondável e a superfície desses olhos, devastadoramente especular: elas nos devolvem os reflexos da nossa própria interioridade, dos nossos medos, desejos, carências e virtudes.

Assim são os olhos do soldado Williams, personagem que, como um carneiro, é anunciado como vítima propícia desde o início da história em Reflexos num olho dourado, o magistral romance curto de Carson McCullers (1917-1967). Assim, carneiro, o soldado observa tudo o que os outros preferem esconder, com o efeito sórdido de que aquele que olha é indiferente ao que vê.

Reflexos num olho dourado é um dos primeiros romances de grande circulação do cânone literário que aborda homossexualidade, voyeurismo, fetichismo e sadismo, com o habitual fascínio da autora por personagens marginais e desajustados.