Por que a escolha?

O filme Meninos Não Choram é baseado em uma história verídica que, conforme contada pela mídia da época, começa mais ou menos assim: Teena Brandon, uma mulher de 21 anos, foi morar em uma pequena cidade de Falls City, Nebraska, no fim de 1993, “para viver como um homem”. O filme conta como Brandon conheceu ali um grupo de amigos e se tornou um deles. Desempregado, passava o tempo bebendo e vagando pelas estradas e fazendas abandonadas. Considerado um igual e, portanto, um potencial concorrente, Brandon é desafiado repetidas vezes a provar seu valor nos ritos de masculinidade, e logo chama a atenção das meninas por ser o mais sensível, gentil e atencioso dos rapazes.

Atualmente, após décadas de intenso ativismo queer, e fazendo jus à sua identidade, sabemos que Brandon era um menino trans que foi estuprado e assassinado por dois homens do grupo. Esses ataques estão enquadrados em uma matriz cultural hegemônica que tradicionalmente nega, reprime e pune a potencial fluidez de gênero. O estupro pode ser entendido como um dispositivo de disciplinamento transfóbico, perpetrado exatamente depois de os agressores exporem à força os órgãos genitais do rapaz, alegando a necessidade de “descobrir as mentiras dele”.

Meninos Não Choram, filmado em 1999, é um filme datado, especialmente em contraste com os avanços em direitos e aceitação social dos últimos anos. Mas, independentemente das controvérsias existentes ligadas a uma certa espetacularização da violência a que Brandon é submetido – as humilhações brutais são mostradas explicitamente –, o filme entrou para a história do cinema por introduzir a nível popular a existência de uma “masculinidade feminina”, apresentando personagens que ultrapassam os limites de representação imposta pela mídia e mergulham com naturalidade vulnerável na exploração de um fluxo de desejo não convencional.